terça-feira, 5 de agosto de 2014

Nem tudo que flutua é boia
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo


Nem tudo que flutua é boia
  
Por Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br


As investigações com nitrogênio líquido, e o conhecimento sobre os processos para obtê-lo, que adquirimos durante a visita dos integrantes do Clube de Ciências, da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", ao Centro de Isótopos Estáveis, do Instituto de Biociências, da Unesp, de Botucatu (veja aqui e aqui), foram extremamente interessantes e de extrema importância, para dar suporte à compreensão dos fenômenos que seriam tratados nas atividades subsequentes.

Saber que átomos e moléculas se agitam menos e podem se reunir quando são submetidos a maior pressão ou quando o ambiente esfria. Saber que átomos e moléculas se agitam mais e podem se separar, quando há mais calor ou a pressão à qual estão submetidos for menor. Esses conhecimentos ajudam a entender e explicar muita coisa que acontece bem diante dos nossos olhos e para as quais muitos de nós não nos atentamos. Por exemplo, o pedreiro sabe que precisa deixar um vão em certos locais em paredes de prédios, pontes e entre os ladrilhos de um piso. Sem esses vãos, podem acontecer rachaduras devido a dilatação dos materiais por causa do calor, que faz com que as moléculas vibrem mais e se expandam. Pela mesma razão, é preciso obedecer a certos procedimentos na construção de máquinas, na colocação de trilhos de trens etc.

Essa nova visão sobre o comportamento da matéria parecia satisfatória para os clubistas, até que um novo desafio lhes foi proposto, como trabalho para ser realizado em casa: encher um copo com água até a borda, colocar no congelador e, a cada meia hora, observar atentamente o referido copo, até toda a água congelar.

Novo encontro com os clubistas, momento de relatar as observações e procurar explicar o que haviam observado em casa. Infelizmente, poucos atenderam à solicitação. Destes, apenas um, mais cuidadoso observador, conseguiu perceber duas situações especiais que ocorreram. Ele percebeu que quando a água ficou mais fria, pouco tempo depois de colocada no congelador, apareceu um espaço muito estreito entre a superfície da água e a borda do copo. A outra observação, que mais dois clubistas conseguiram fazer, foi que, depois de congelada, a água que estava dentro do copo havia ultrapassado um pouquinho a sua borda.

O que teria acontecido com a água durante o tempo em que ficara no congelador dentro do copo? Ela teria se contraído e depois se expandido? Será? Essa foi uma das hipóteses aventadas. A outra hipótese foi das observações terem sido feitas sem o devido cuidado.

Afinal, se sob frio as moléculas  se aproximam, como então a água poderia ocupar mais espaço, indo para fora do copo?

Para obtermos uma resposta a esse impasse criado, precisávamos repetir a experimentação de maneira simples, rápida e eficiente. Assim todos os clubistas, inclusive aqueles que não fizeram o trabalho de casa, teriam a oportunidade de conhecer um comportamento bastante peculiar da água. Para isso, construí um material didático bem fácil de ser feito e utilizado, que será descrito a seguir, para elucidar as dúvidas que haviam surgiram.

A Experiência

 Material:
- Um Tubo de Eppendorf de 2,5ml.
- Um tubinho de plástico retirado do interior de uma caneta esferográfica, depois de ter sido deixado totalmente vazio, sem qualquer resquício de tinta.
- Suporte para que o eppendorf fique na vertical, já que sua base é curva. Esse suporte pode ser um recipiente de plástico, cuja altura seja menor do que a do eppendorf, para não atrapalhar as observações, ou uma tampa na qual se deve fazer um orifício central para introduzir o eppendorf. Essa tampa só deve tocar uma superfície plana pela borda lateral, como na tampa da figura I, para que a base do eppendorf, introduzido no orifício central dela, fique suspensa e a montagem estável.

Preparo:
Corte a articulação da tampa do eppendorf. Em seguida, faça um orifício no centro dessa tampa, cuidando para que o diâmetro seja ligeiramente menor do que o do tubinho da caneta, para que ele passe por ali com bastante dificuldade e fique muito bem preso. Introduza o tubinho da caneta nesse orifício até que sua extremidade atinja, aproximadamente, a metade do eppendorf. Tome cuidado para que o tubinho não dobre, quando você forçar a sua passagem pelo orifício da tampa.

Finalizando os preparativos:
Coloque água até a borda do eppendorf. Introduza, cuidadosamente, o tubinho nessa água até que a tampa do eppendorf, à qual ele foi acoplado, possa ser fechada (com o encaixe dela no tubo, ouve-se um clic). Quando esse procedimento é executado corretamente, parte da água que está no interior do eppendorf sobe pelo tubinho de plástico, até atingir um determinado nível, na porção que fica acima da tampa. Com uma caneta de ponta fina, dessas usadas para escrever em CD, marque o nível que a água (NA) atingiu dentro do tubinho (Figura I, Imagem A). Feito isso, leve o conjunto para dentro de um congelador, que em seguida deve ser fechado, assim como a geladeira e aguarde por cinco minutos.

Observação de fenômenos
muito importantes

Passados os cinco minutos, abra o congelador e observe o nível da água no tubinho de plástico. Ele deve ter ficado como a imagem B, da figura I. Esse novo nível abaixo da marca feita com a caneta, confirma a contração da água.

O comportamento das moléculas de água nessa primeira parte do experimento, foi semelhante ao das moléculas de nitrogênio (veja aqui), que já havíamos investigado anteriormente. Com o frio, elas reduziram a movimentação e se aproximaram um pouco mais umas das outras, ocupando um espaço menor.

Na segunda parte do experimento, depois de fechado novamente o congelador, a observação deve ser realizada, após 15min ou 20min. Nesse momento, você verá que o nível da água do tubinho ficou acima da marcação feita inicialmente com a caneta, como se pode verificar na imagem C da figura I. Portanto, a água, surpreendentemente, porque diferente do esperado, realmente se expande, como dois dos clubistas haviam observado.


Figura I
Figura I - Congelamento da água:
(Imagem A) Marcação, com traço azul, do Nível da Água - NA - líquida no tubinho à temperatura ambiente de aproximadamente 28°C; (Imagem B) nível da água líquida resfriada – contração; (Imagem C) nível da água congelada – expansão; (Imagem D) água congelada (gelo) boiando, devido a sua densidade ser menor do que a da água líquida.
Infelizmente, não dispúnhamos de um termômetro para verificar a que temperatura acontecia esse comportamento especial da água, de expandir-se ao continuar esfriando. No entanto, consultando bons livros, é possível saber que as moléculas de água vão se aproximando umas das outras até o termômetro registrar 4 graus Celsius (4°C). Abaixo dessa temperatura, as moléculas, ao invés de se aproximarem mais umas das outras, se arranjam de um jeito especial e a água passa a ocupar mais espaço, a expandir, como nos mostra a figura II, abaixo.

Figura II

Figura II - Representação das moléculas de água em diferentes temperaturas (adaptada de Paleari e Chiarelli*):
 À esquerda mais quente, à direita mais fria. Observe que dentro do espaço marcado com traço preto, correspondente a um copo, há menos matéria no estado sólido (água menos densa) do que quando ela atinge 4°C (água mais densa).  

Isso significa que abaixo de 4°C, até congelar, a água fica mais leve. Por essa razão, o gelo se forma de cima para baixo e flutua sobre a água líquida (Veja imagem D, da figura I).

Essas peculiaridades da água são fundamentais para que os seres vivos, que habitam lagos de grandes profundidades, tenham chance de sobreviver ao inverno rigoroso de regiões temperadas, quando as temperaturas caem bem abaixo de zero grau Celsius e as superfícies dos lagos ficam congeladas. Sobre esse assunto falaremos no próximo post.


* Paleari, L. M. e Chiarelli, A. Por que o gelo flutua? São Paulo: Fundação Editora Unesp, 2000.


Sugestão:

Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, acesse os links:
                         
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 Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu 
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